Ave Maria,
desculpe por não ser mais teu filho, mas cansei de esperar por milagres, eu não
sei se é pecado falar a verdade, é incomum ver alguém rezar por pessoas de
origens duvidosas...
Eu sei que não
sou mais nada, além desse, corpo eu era espírito, hoje me movimento, pois me dá
prazer, eu sou um bailarino torto que busco em coisas sagradas sacrificar meu
rancor...
É
impossível definir o destino, pois nunca vivi nele, vivo por que sou matéria e
de alguma forma o sobrenatural aquece meu pensamento sólido fazendo diluírem-se
as coisas insatisfatórias...
Era uma longa
estrada escura, nela se encontrava toda a luz das alegrias passadas, ela não
tinha forma alguma, era somente feita de suspiros e entre um suspiro e outro se
ouvia uma voz bem clara dizendo: - Esse é seu mundo!
Sei que estava bem mais perto que voz era aquela, quando enfim a vi, vi que ela
era normal, pelo menos aparentava ser, ela vestia um longo manto negro que
refletia uma luz negra que me cegava olha-la tanto, sua pele era tão clara
quanto à luz brilhante da lua na penumbra da noite numa noite de lua cheia, seu
rosto não sei descrever muito bem, mas ela olhos bem escuro, e nada havia nele
a não ser preto, em sua mão, ela segurava algo que parecia um livro, ela me
mostrou suas páginas todas elas eram pretas sem escrita alguma, na última
página lembro ter visto “Não acredito em nada, nem no concreto, nem no
abstrato, só acredito em sonhos e pesadelos, se é que eles existem...”
Eu sabia que dali em diante minhas danças não teriam mais sentido pra ninguém,
a não ser pra quem fosse dotado de inteligência demais para saber o que se
passa por trás da farsa da “alegria” que todos fingem ter. Ela se
movimentava como uma nuvem, hora ela estava de uma forma hora de outra, e
tudo acontecia tão lento que bastava eu piscar um olho que ela já tinha se
desfeito toda e estava num lugar bem distante de mim.
Ela enfim sumiu, na verdade acho que ela se desintegrou no espaço escuro que
estávamos.
Eu fechei meus
olhos, eu sei que era um confronto todos as sensações que estava sentindo
naquele momento, mas preferi ficar com os olhos fechados, olhos fechados não
conhecem o mundo. Permaneci estático durante um bom tempo, quando enfim abri os
olhos estava numa sala que aparentava não ter começo nem fim, mas davam pra ver
janelas de vidro que pareciam brotar do chão e confundir-se com as nuvens, até
então achava que estava só, mas quando me dei conta tinha três seres ali, um em
cada canto e todos se moviam harmoniosamente a cada gesto meu, como vi que tudo
o que eu fazia, pensei em ir ao centro da sala, ali cada passo parecia
ser uma eternidade a caminho do céu. Fiquei em frente a eles, eles não tinham
forma alguma, só dedos enormes. Voltei para onde estava, fiquei andando pelo
espaço que de tão vazio tinha dificuldades em andar por causa das barreiras que
o nada constrói dentro de cada pessoa. A luz era tão fraca que quase não dava
pra ver o outro lado da vida, não era deserto, ártico, antártico, estava
somente cheio de nada. As “coisas” ainda estavam ali, às vezes eu ficava
pensando o que era aquilo, cheguei a conclusão que mostravam o que eu
estava sentindo naquela hora: nada. Imagina, se a representação do nada de cada
pessoa parecer uma figura incrível, como será quando essa mesma estiver
sentindo algo...
Ali não tinha
tempo, eu sempre fiz do tempo meu objeto sagrado, então era como se eu
estivesse morrendo e nascendo várias e várias vezes. Sentei-me, adormeci,
sonhei, não sei se era realmente um sonho, aliás, ali tudo parecia ser tão
real, enfim sonhei estar na beira de um lago com águas cristalinas, ouvia-se
bem o som do cantar dos passarinhos, ouvi também uma música longe bem alegre,
tirei minha roupa e banhei no lago, nesse lago não havia uma criatura sequer,
eu conseguia respirar facilmente nele, mergulhando adentro do lago ainda estava
eu, cada vez a luz ia sumindo, e ouvi a mesma voz de antes, falando as mesmas
coisas, tentei subir, em vão, a água de alguma forma tentava me levar pro fundo.
Eu pensava que estava sonhando, mas aquele lugar era como a morte, a cada vez
que me deixava levar pelo sono, era uma vida inteira perdida.
Continuei descendo e descendo, parecia
que o centro da Terra queria engolir-me, de repente ao meu redor se formou
pequenas luzes que pareciam estrelas, acho, uma hora dessas meu coração estava
disparado como se eu tivesse correndo em cima de uma serpente, a última sensação
de tudo isso que lembro foi uma de como se eu estivesse me expremendo,
abracei-me firmemente com os olhos fechados e em um segundo eu estava numa sala
de dança redoado de pessoas me olhando, achei tudo estranho, uma hora num
lugar, outrora n’outro, eu não sei se realmente estava no mundo, na lua, sonhando,
morto... só me posicionei no canto da sala para ver o ensaio geral e de repente
meu corpo por si próprio começou a movimentar-se, eu de alguma forma sabia toda
aquela coreografia, ela era simples, triste, tinha um certo suspense e terror
nela toda, eu olhava todas as pessoas no espelho, menos eu. O ensaio acabou
todos saíram, eu fiquei lá. Fiquei confrontando o espelho por várias horas, do
nada veio a ideia de tocar o espelho, meu dedo passava pra dentro do espelho. Meu
corpo continuou penetrando o espelho, primeiro o braço todo, depois o resto
corpo. Ali já era totalmente diferente, via-me refletido por todo lado que
olhava, eu ia de encontro com o infinito. Eu dava passos, quanto mais eu andava
pra frente mais eu ficava longe de mim, aquilo me deixava sem fôlego, eu fiquei
com falta de ar durante alguns segundos. Resolvi andar de costas, é lógica, se você
não consegue encontrar alguma coisa num futuro distante, talvez é porque já se
deixou num passado esquecido. Pronto, precisei somente de sete passos para trás
pra recuperar a respiração e sair daquele espaço, que não sei se era realmente
uma ilusão.
Deparei-me com o fogo, só sei que não
era o inferno, não tinha gritos, gemidos, sequer uma fala, o único som
estrondoso, imenso, aterrorizante, horroroso que havia no ar, era somente o
fogo queimando – não sei o que, mas continuava queimando. Ali foi o único lugar
que em todas minhas vidas me senti mal, eu não me permitia ficar ali, era claro
demais pro meu globo ocular, parece que cada vez que abria-os eles derretiam
sem o fogo trisca-los. Olha que tudo isso que passei pareceu ser uma grande
aventura, então se nada podia acontecer comigo me joguei no fogo, veio todas as
lembranças boas naquele momento, elas pouco a pouco foram se apagando da minha
mente, eu queimei por completo.
Assustei-me com aquela multidão, todos olhando pra algo
que estava em cima do palco logo à frente, tentei me colocar à frente, a briga
por espaços eram constantes, pedi de todas as formas, de licenças a empurrões
fui chegando cada vez no palco. Uma cena constrangedora vi ali, havia uma
pessoa enforcada, os três seres estavam a frente do palco bebendo o sangue que
derramava pelos punhos daquela pessoa que com certeza foi cortado pela voz ou
mulher ou seja o que fosse, ela me olhou
fixamente e veio a meu encontro planado no ar, me levou até o palco, me
mostrou ao público, mas não sei se realmente eles nos olhavam, fixei meu olhar
naquela pessoa, tomei um susto, era eu morto, as lágrimas nessa hora derramaram
lentamente uma por uma em meu rosto, ela me olhou de novo e riu, era lindo ver
seu sorriso naquele momento de dor. Ela me deu as mãos, saímos andando por cima
das pessoas, eu só tinha que fazer uma coisa naquele momento, esquecer que eu
tinha existido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário